terça-feira, 9 de outubro de 2012

Voz do professor: do psiquismo à fisiologia


Fonte: http://www.google.com.br/imgres?hl=pt-
BR&biw=1280&bih=630&tbm=isch&tbnid=cWIReEkw7k_GZM:&imgrefurl=http://tipicoeatual.blogspot.com/2010/11/cuidado-aofalar.
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- A fisiologia da voz;
- Problemas de voz mais comuns nos Professores;
- A higiene vocal;
- A voz na constituição do sujeito;
- O desejo, a voz e o reconhecimento;
- As diferentes vozes do professor.


Dia: 20/10/2012 das 9h30min às 11h.
Público alvo: Professores
Evento gratuito
Endereço: rua Catequese, 1149 Vila Guiomar, Santo André
Inscrições: contato@acolheretransformar.com.br ou
Celulares: Lucimara: 98241-8869 (Tim)
Angelica: 99764-9427(Tim) ou 99471-4591 (Claro)
Palestra ministrada por:
Lucimara Mantovani: Fonoaudióloga formada pela PUC - SP (1993); Mestre em Educação pela PUC-SP (1999) e Psicopedagoga (2004). Fonoaudióloga e psicopedagoga clínica atuante em consultório particular. Lecionou em Ensino Superior.
e
Angelica Höffler: Psicanalista atuante em consultório particular. Historiadora formada pela FFLCH/USP (1995); Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP (1999). Lecionou para Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio e Superior (graduação e pós-graduação). Trabalha com formação de professores e realiza cursos, acolhimento (supervisão) de professores e pais.

“O DESAFIO DO ANALISTA É PERMANECER HUMANISTA”



Leopold Nosek fala sobre a psicanálise atual e a dificuldade de encontrar tempo para reflexão.
Quando o antigo já não existe mais e o novo ainda não se estruturou é que se criam os monstros, segundo Leopold Nosek, da Federação Psicanalítica da América Latina. Os sintomas desse momento de transição– no qual se encontra a humanidade– estão na pauta dos principais desafios dos analistas contemporâneos. Desafios esses que serão tratados no Congresso Latino-Americano de Psicanálise (que começa terça-feira no Sheraton WTC), presidido por Nosek.
Cerca de dois mil psicanalistas se reunirão para debater o papel do analista na contemporaneidade: “O filme A Pele em que Habito, de Pedro Almodóvar, apresenta o monstro atual”, pondera. “O indivíduo pode trocar de sexo, de pele, fazer filhos de proveta, coisas antes inimagináveis”. Os temas do encontro serão tradição e invenção. “Veremos como esses dois dados se relacionam. Sem a tradição não se vive. No entanto, ficar paralisado na tradição também não é viver”, afirma.
A seguir, os melhores momentos da entrevista.
O mundo atual é muito fragmentado, a análise ajuda a dar unidade para pensamentos e sentimentos?
O paciente continua um ser humano. Só precisa ser lembrado disso. É um trabalho de recuperação. Não vivemos de construções velhas, portanto é impossível um analista estar ouvindo a mesma coisa. Nossos sentimentos pedem sempre novos versos.
Dê um exemplo.
As canções de ninar. São todas iguais. Falam de monstros, não de sossego. Porque a criança tem o medo e o horror dentro dela. E quando encontra uma representação, se sente entendida. Quando se adquirem palavras para o conflito e para a dor, aquilo se circunscreve. Deixa de ser infinito e adquire um tamanho. A partir daí, monta-se a equação e pode-se lidar com isso. Uma boa análise não resolve as equações, mas ajuda a montá-las. E, às vezes, isso é o mais difícil. “A cuca vem já já, papai foi pra roça, mamãe foi trabalhar”. É uma equação de desamparo.
O ser humano continuou igual, enquanto o mundo sofreu um avanço tecnológico imenso?
Em qualquer idade nos encontramos em transição. Sempre foi assim. Mas, agora, a velocidade é assombrosa. Outro dia, um adolescente me falou uma coisa interessante: que John Lennon nunca tinha visto um computador.
Quando um paciente tem alta, quem define isso: ele ou o analista?
Não creio em alta. A alta não faz parte da minha ideia analítica. A cura é uma ideia médica e se baseia em sintomas. O que existe são momentos de desenvolvimento que promovem emancipação. Tem muita gente que quer se aprofundar em si mesmo. Por outro lado, para quem faz análise, esse tipo de exercício reflexivo é vital. Não há como evitar.
Existe quem consiga fazer essa reflexão sozinho?
De fato não criamos nada em isolamento. Prefiro dizer que há pessoas que fecham a porta para esse tipo de prática. Muitas possuem uma dificuldade de olhar para sua interioridade. São pessoas que estão sempre em ação, impedindo o contato com o mundo onírico. Outros têm uma cegueira para o que é conflitivo, contraditório e escuro. O que sabemos sobre a análise é que aquele que a faz fica um pouquinho melhor na comparação com ele mesmo. E esse pouco melhor é inestimável. A família e as pessoas ao lado notam. Claro que, como tudo, análise depende de sorte. De achar a companhia certa para tanto. Nelson Rodrigues dizia que sem sorte você não chupa nem picolé porque vai cair no seu sapato.
A rapidez e a competição da atualidade contribui para o aumento da angústia?
Vivemos transformações importantes. Acostumamo-nos a lidar com um aparelho eletrônico e já temos que lidar com um novo. Existe hoje um paradoxo. Vamos viver mais de oitenta anos, mas ficaremos obsoletos profissionalmente, muitas vezes, com 40, 50 anos. Isso gera uma grande insegurança. Há uma enorme concentração de recursos materiais e de expediente para o trabalho para se produzir. Isto influencia nosso modo de viver. Por exemplo, os bancos vão se preocupar com suas ações e não com as hipotecas e o destino dos mutuários. Será que as grandes corporações farmacêuticas são diferentes?
E qual a consequência disso?
Falta tempo para o ser humano olhar para a própria humanidade. Não conseguimos construir um acervo onírico, uma personalidade. Sonhar e adquirir um repertório cultural, poético, requer tempo. É isso que necessitamos para dar conta da vida. É um desafio dos analistas de hoje, muito diferente da época do Freud. O sofrimento atual é de outra ordem. A do vazio. O indivíduo sofre, mas não articula um discurso. Quem tem pânico, por exemplo, sequer sabe diferenciar se o sofrimento é psíquico ou corporal. E crescem doenças como a anorexia, obesidade e a bulimia, que há 40 anos eram uma raridade.
O que é anorexia?
Ausência de desejo. Não se sente fome, não há vida sexual. Porque o desejo é visto pelo anoréxico como um perigo de destruição interna. Ele não tem acervo para dar conta. Isso é o desafio para o analista. Como trata-se de um discurso que não se organiza, é impossível realizar o que os analistas faziam antigamente – presente no imaginário popular –, de atribuir significados inconscientes ao que o paciente fala. É necessário a criação de novas narrativas, novos sonhos.
E como o analista reage em uma situação como essa?
É um dos temas do nosso congresso. Colocar o analista em questão. Estamos diante de um mundo novo. Que implica em novo corpo, sexualidade, ética e moralidade. Além de um sistema jurídico que terá que se adaptar a tudo isso. Em um mundo onde as coisas estão cada vez mais técnicas, o desafio para o analista é permanecer um humanista.
Com o avanço das drogas psiquiátricas, o paciente é o que ele toma?
Claro que não. Comemoramos as novas medicações, são um progresso. Entretanto, há um exagero. As pessoas não podem mais ficar tristes. Crises e os lutos são grandes oportunidades de transformação, de inventividade, desenvolvimento. Se você não tem tempo do luto, as pessoas tornam-se descartáveis. Como viver sem perdas? O importante é dar um destino criativo para elas.
Onde entra a análise?
As pesquisas mostram que uma terapia, de ordem verbal, aliada a medicação, funciona melhor do que só o remédio. Isso é consenso em psiquiatria também. No entanto, existe uma predileção por sucesso rápido. Costuma-se dizer que a psicanálise é demorada. O que ocorre é que entramos em um processo de desenvolvimento. Se a análise for boa você sente os benefícios desde o primeiro encontro.
Como se manter são ?
Eu nem pretendo isso. Não me apresento assim. Não tenho cara de são e não faço a menor questão de ser. E não sei mais do que a pessoa que está lá comigo. Só tenho um ouvido disciplinado para aquilo. Para ser analista, tem que ter problemas suficientes para não conseguir ficar quieto.
Como o senhor vê o crescimento dos fundamentalistas no mundo?
Quando eu comecei, a angústia dos pais era que os filhos estavam virando revolucionários. Hoje, se preocupam porque os filhos estão virando fanáticos. Com o a falta de tempo para construir um acervo que dê conta da sua humanidade, o indivíduo apela para as receitas prontas.
Em qualquer época?
Em tempos de transformação. Quando o velho não existe mais e o novo ainda não se estruturou, criam-se os monstros, dizia Antonio Gramsci. São momentos em que ainda não há um novo sonho, uma referência poética. Em épocas como essa, em que não existe tempo de esperar até que se organize um novo sonho, uma nova referência poética e cultural, é que as pessoas se socorrem de coisas estabelecidas.
Outra discussão é sobre a esfera do público e do privado. Mudou com a internet?
Sim. O Facebook e similares, por exemplo. As pessoas acreditam que estão expondo a intimidade ali. Mas, na verdade, não. Mudou o critério de intimidade. O que é íntimo, de verdade, as pessoas não mostram.
Por quê?
Porque quando é íntimo é conflituoso. O sexo pode ser íntimo para uma pessoa e não para outra. E parte da graça do sexo é que é tremendamente conflituoso e angustiante. Senão, seria como comer bife. O medo da perda, da invasão, do excesso, estão sempre aí. O número de fantasias, medos e expectativas que acompanham a sexualidade é enorme, e aí é que está a graça.
O que é a felicidade?
Essa felicidade da qual se fala é uma bobagem (risos). Uma coisa é viver criativamente, viver bem. Viver feliz é um sonho infantil. A ideia de não ter conflitos, problemas, é uma negação da realidade. Isso não é viver feliz, é ter uma anestesia para uma parte da vida. Uma pessoa que acredita nisso não vive as crises dos filhos, as questões amorosas, os lutos. Pensa em soluções. Chamo essas pessoas de “solucionáticas”.
Para resumir, qual o maior desafio para o analista hoje?
Cada vez mais o tratamento é bipessoal. Na sala de análise tudo pode acontecer virtualmente. O analista tem que ser corajoso e participativo. Ter audácia. Tem que ter o conhecimento. Esta é a sua ética. Estamos todos em questão, o paciente, o analista e a análise. Cabe a brincadeira “vamos olhar seus problemas de frente: pode se deitar”. /MARILIA NEUSTEIN E SR

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O que pode estar por trás do professor autoritário ou desinteressado?


Angelica Hoffler
Professora e Psicanalista
O que determina a escolha profissional? Mais especificamente, o que faz alguém querer ser professor? Ao longo dos meus anos como professora em cursos de Licenciatura pude perceber a transformação dos alunos marcada sobretudo pelo início dos estágios: antes, estudantes apegados a uma Educação ideal, que poderia mudar o mundo. Depois, arrasados pela realidade política, social e econômica que eclode nas salas de aula, lotadas, com alunos dispersos dos assuntos das aulas, professores desamparados e destituídos de qualquer desejo. Escola/Estado de violência que atravessa o sujeito. E atinge o professor.
Quem chega à escola e passa cinco minutos na sala dos professores ouvirá comentários que desqualificam os alunos (“são todos burros e delinquentes”), que demonstram descaso (“não tô nem ai pra eles, eu finjo que ensino, eles finjem que aprendem”), ou mesmo superioridade (“grito mesmo. Só assim, no berro, é que eles me ouvem”.) É muito fácil julgar estes professores que agem assim, taxando-os de autoritários ou desinteressados, contudo, estes professores podem estar simplesmente se defendendo inconscientemente de sua impotência.
A Psicanálise nos esclarece que para a preservação do ego, existem mecanismos de defesa que são acionados quando a realidade se torna insuportável. Hanna Segal, no livro  Introdução à obra de Melanie Klein, (Rio de Janeiro: Imago, 1975), trata de  defesas maníacas que se dirigem aos sentimentos de perda, luto, anseio e culpa, que podem, nesta nossa leitura, estar presente nestes professores que tem dificuldade em lidar com as situações sociais que eclodem na escola.
Assim, de acordo com a autora, o objeto (e neste caso o aluno) que ameaça, por conter dependência, ambivalência e culpa, deve ficar afastado do ego. Para isso, instaura-se uma relação maníaca com o objeto que se caracteriza por três sentimentos que gravitam em torno da onipotência:
1. Controle: nega a dependência e compele o objeto  a preencher esta necessidade de dependência, pois à medida que é controlado, pode-se contar com ele;
2. Triunfo: “é negação dos sentimentos depressivos de valorizar e de se importar” (SEGAL, 1975, p. 96). Apresenta-se em dois aspectos: em função da inveja, ataca-se o objeto e o vê como derrotado; mantém o objeto afastado evitando sentimentos de ânsia pelo objeto, desejo, falta;
3. Desprezo: mais uma vez nega o fato de valorizar o objeto e defende o ego da experiência de perda e culpa. “O objeto de desprezo não é objeto digno de culpa, e o desprezo experimentado em relação a esse objeto se torna uma justificação para outros ataques contra ele” (SEGAL, 1975, p. 97).
Estes três sentimentos relativos à onipotência são bastante comuns na escola. O controle está diretamente relacionado ao professor que não sabe lidar com seus desejos e não entende como a Educação se relaciona com a falta. Somos seres incompletos. É a falta que nos possibilita desejar. E o desejo nos impulsiona à vida e ao saber. Este professor entende que ele, como detentor de um saber, exercerá relação de dependência e controle de seus alunos. Mas à medida que o suposto saber do professor não se relaciona ao desejo dos alunos, o controle é frustrado.
Não raro, o professor frustrado pela falta de controle deixa de investir na relação de ensino-aprendizagem e passa a dar aulas. Ao deixar de valorizar e de se importar com seus alunos, muitas vezes repete internamente esta atitude, e/ou adoece (burnout, depressão) ou torna-se violento com os alunos, diminuindo sua imagem (“aliens”, “gremlins”, “monstrinhos”, “marginais”). E aqui, o triunfo relaciona-se ao desprezo pois ao diminuir a imagem dos alunos justifica seus ataques contra eles, se livra da culpa pela indisciplina (entendida como falta de controle) e do fracasso escolar, e da perda daquilo que lhe preenchia a falta. Mantém-se na fantasia de onipotência, conservando de um lado seu ego, de outro o objeto vinculado à realidade: a culpa é do Outro. E as defesas maníacas continuam sua reprodução.
E vemos como é atual a fala de Freud, em 1932, (conferência XXXIV: Explicações, aplicações e orientações): ele menciona a importante contribuição da Psicanálise à Educação, na sua relação com os professores: “Se considerarmos agora os difíceis problemas com que se defronta o educador - como ele tem de reconhecer a individualidade constitucional da criança, de inferir, a partir de pequenos indícios, o que é que está se passando na mente imatura desta, de dar-lhe a quantidade exata de amor e, ao mesmo tempo, manter um grau eficaz de autoridade -, haveremos de dizer a nós mesmos que a única preparação adequada para a profissão de educador é uma sólida formação psicanalítica. Seria melhor que o educador tivesse sido, ele próprio, analisado, de vez que o certo é ser impossível assimilar a análise sem experimentá-la pessoalmente. A análise de professores e educadores parece ser uma medida profilática mais eficiente do que a análise das próprias crianças, e são menores as dificuldades para pô-la em prática.”
A Psicanálise pode trazer importante contribuição à Educação e às relações dentro da escola. A Psicanálise, por meio da escuta, tende a levar a tomada de consciência dos processos inconscientes, a perceber suas repetições e a elaborá-los. A Psicanálise não julga, como o senso comum tende a fazer.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Grupo de estudo: Psicanálise e contemporaneidade



Marcel Duchamp and Enrico Donati, Priere de Toucher (Please Touch), 1947

Vamos estudar o Mal-estar na civilização? Escrito em 1930, este texto de Sigmund Freud oportuniza a discussão de temas bastante atuais, pertencentes não só ao universo da Psicanálise mas também ao diálogo existente entre ela, a Filosofia e a Antropologia.
Público-alvo: interessados em geral
Investimento: R$80,00 por mês
Encontros: quinzenais, às terças, das 20h às 21h30min e aos sábados das 8h às 9h30min
Ou cel: 99764-9427 (Tim) e 99471-4591 (Claro)

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Copiar e colar


Angelica Hoffler
Psicanalista e professora
Cada vez com mais frequência, um professor que leciona em cursos de graduação e até mesmo pós-graduação depara-se com o incômodo que os alunos sentem quando são convidados a pensar, posicionar-se e até mesmo redigir um trabalho. Nem todos sabem, inclusive alunos de pós-graduação, que redigir um trabalho é muito mais do que copiar e colar textos da internet. Aqui, não me atentarei à questão legal, que copiar idéias sem mencionar a autoria das informações é crime, chamado de plágio. Penso que, o aspecto mais  complexo e terrível deste assunto talvez seja a dificuldade de  investir. Investir em si mesmo, ao desafiar o medo de se expor ao escrever, confiar na capacidade de se sustentar e, no caso dos professores, de todos os níveis de escolaridade, de investir no aluno ao pedir um trabalho realizado com responsabilidade.
Em tempos de globalização é muito fácil ter acesso à informação. Nas pontas dos textos, a partir de uma conexão via celular, onde quer que se esteja é possível ter a impressão de se alcançar o mundo. Mas quanto desta informação se transforma em conhecimento? Que  uso é feito daquilo que é disponibilizado de forma tão fácil no mundo virtual?
Quando o tempo é o agora, torna-se difícil ter uma dimensão histórica. O ser humano é  constituído por sua história, agente e produto dela. O aqui e o agora o mantém num lugar supostamente protegido e controlado, útero que o alimenta e o gesta. Sem esforço. De modo ilusório, sem custo. Mas na dependência de um outro, do qual se nutre, que produz seus pensamentos, que lhe dá um lugar de existência. Ou só sobrevivência e cópia, numa (con)forma(ção).
Conformar ou formar num sentido que o modelo de Educação costuma dar,  é retirar a perspectiva, uma vez que o que se pode esperar (se isso for possível) está dentro do quadrado.  Torna-se difícil olhar para o próprio desejo, tomar consciência das ideias próprias, ainda que inapropriadas para o modelo, e fazê-las valer. Todo trabalho de construção, neste caso, de um texto ou de uma pesquisa, que é trabalho de conhecimento, de vínculos com a realidade, parece sem propósito, é árduo, demorado, exige um tempo investido em se sustentar com as próprias ideias. Por isso é muitas vezes difícil ter um projeto e dedicar-se a ele. Sair da onipotência proporcionada por este útero é defrontar-se com uma realidade que limita e dá um lugar de existência frente às diferenças, e exige recursos para explorar caminhos outros (e não do outro).
Numa sociedade em que mercadorias, pessoas e ideias são consumidas vorazmente, sustentar uma opinião diferente, posicionar-se de outra forma, não aceitar digerir o que é oferecido pode ser visto como indisciplina. É estranho, estrangeiro, marginal. Disciplinado é o aluno que se enquadra na forma. Este é aprovado nos exames.  “Decorei toda lição, Não errei nenhuma questão, Não aprendi nada de bom, Mas tirei dez (boa filhão!)” diz Gabriel o Pensador na música Estudo errado. Só pensa o pensamento dos outros. Ao se submeter aos exames, apavora-se, teme, não num sentido de castração de sua onipotência infantil, mas de retalhamento de seu ser (em Psicanálise, diríamos que não faz a passagem esperada no Édipo de ser o Falo para ter o Falo): “E se o professor não gostar do que eu escrever?”. Quantas vezes vi os alunos perplexos quando eu lhes devolvia uma “prova” (que as instituições insistem em manter, para provar o quê?) e lhes dizia: “Isto que você escreveu eu já sei, foi o que eu falei na aula e li nos textos. O que eu quero é saber o que você pensa sobre isso!”
O limite que as avaliações costumam impor não é a de um saber a ser buscado (sobre o mundo e sobre si mesmo), mas o limite imposto por aquilo que o outro quer que o aluno saiba. Saber que pode amarrar o professor nos conteúdos programáticos, nos cronogramas a serem obedecidos, nas avaliações a serem aplicadas. Professores disciplinados geram alunos disciplinados. E Foucault trabalhou as consequências disso com maestria.
O conhecer é uma parte do pensar. Para querer conhecer, é preciso sentir uma falta, um incômodo. Quando se fala em formação na escola, fala-se em informação...aquilo que vem do outro. E quando esse sistema funciona, o aluno se esvazia de tal modo que ele passa a desejar o que o outro quer que ele deseje, desaparece como sujeito e não se sustenta com aquilo que lhe é oferecido. O mesmo pode ocorrer com o professor. Simplesmente copia e cola.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Tuíto logo existo






Angelica Hoffler
Psicanalista e professora
Tempos atrás, uma amiga minha participou de uma degustação de vinhos. Mas o que mais lhe chamou a atenção não foi a combinação dos pratos servidos e a composição de uvas utilizadas nas bebidas. Uma moça, bonita e bem vestida, sentou-se à mesa em que ela estava e começou a mostrar, diretamente de seu celular, as fotos de seus gatos. Sem esperar qualquer consideração da parte de quem estava à mesa, falou de seus conhecimentos enológicos e à medida que pratos e vinhos eram servidos, fotografava-os e os postava na sua página de uma rede social. Esta história, contada pela minha amiga, me fez traçar algumas considerações sobre o uso de redes sociais e sobre os relacionamentos na atualidade.
Conviver é um dos nossos maiores desafios. Vivemos, como neuróticos, o intenso conflito entre ceder aos nossos desejos mais narcisistas e ficar relegados à solidão, ou reprimi-los em nome do amor. As redes sociais apresentam uma alternativa ao “castigo da solidão”: a opacidade do outro, interlocutor das redes sociais, pode relegar o sujeito à fantasia de “amigos imaginários” que são adicionados ou não a sua página, território em que uma identidade é forjada.
Levar o mundo consigo, poder acessá-lo de um tablet ou celular no metrô pode fazer o sujeito sair supostamente do isolamento, mas não necessariamente da solidão. Quem é o outro para o qual ele posta  (e expõe) sua vida? Entre mensagens postadas, curtidas, comentadas, pessoas/personagens seguidos o que se espera deste outro (interlocutor) (virtual)? Olhar e ser olhado é mais que ver e ser visto. A imagem postada se inscreve numa falta, numa ausência.
O uso compulsivo das redes sociais dá um lugar de existência mediante o suposto olhar de um outro, que por estar distante, não impõe os limites que as relações “reais” impõem. Se meu “amigo” postar algo de que eu não gosto ou se eu deixar de “gostar” de meu amigo, basta “deletá-lo”. Elimina-se o problema. E com ele, o desafio proposto pela existência humana, que é em si conflito. Desta forma, o usuário torna-se onipotente frente às relações. Não se sai de um narcisismo que faz de adultos ainda “sua majestade o bebê”, usando as palavras de Freud.
O aqui e o agora é o que vale. A possibilidade de tudo poder acessar e de tudo poder ver dá-lhe impressão de onisciência. Ao compartilhar mensagens e postar sua vida pessoal na rede, o sujeito compõe também para si um texto instantâneo. Mas os que as palavras escritas (re)velam? O que sabe de si e do outro? Constrói-se uma imagem em que supostamente não há falta, frustrações, confronto. O “acho que sou” torna-se “eu sou” pela ausência do conflito. Mas nas redes sociais assim como na sociedade do espetáculo, “eu sou” para quem? Lida-se com o ideal e não com o “real”.
Por isso vemos pedidos de postar só mensagens felizes, não tratar de violência, futebol, religião e não fazer propaganda eleitoral. Nas mensagens do tipo “se você ama seu pai, sua mãe, seu irmão...compartilhe”, a quem se espera provar a ideia ou o afeto? O universo idílico revela a dificuldade de se lidar com a adversidade, de conviver com a diferença, de efetivamente interagir a partir de um olhar.
O que há da minha voz na voz deste outro? E o que há do outro na minha voz? Sim, porque na escrita também há a inscrição de uma voz. E como lidar (ou não) com os afetos?: se estou com medo, basta tuitar, se estou com insônia entro no facebook. Para a edição do DSM-V (Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais-Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), proposta para 2013, discute-se a inclusão de “adicção à internet”. E aí, mais um rótulo: “se você é adicto à internet compartilhe!”. Por mais que se tente ocultar, entre palavras, imagens e rótulos, a questão da subjetividade e dos relacionamentos, tão contemporânea, continuarão a se inscrever no sofrimento que eles visam ocultar.

sábado, 11 de agosto de 2012

A peste da Psicanálise


Christian Dunker
Antigamente se dizia, cinicamente, que a inteligência era aquilo que os testes mediam; hoje podemos pensar que a depressão é aquilo que os antidepressivos curam

Corre na França acalorada controvérsia sobre o atendimento psicanalítico de crianças autistas. Desde um estudo de 2003, financiado pela Caixa Nacional de Seguro de Saúde daquele país, surgem tentativas recorrentes de desqualificar o uso da psicanálise no tratamento dos “transtornos diagnosticados pela primeira vez na infância ou na adolescência”, bem como a antiga tradição de estudos psicopatológicos, embasados na observação clínica e no acompanhamento longitudinal de casos. A contenda se desenvolve de forma mais aguda e devastadora para os maiores interessados: as crianças. A situação chegou ao extremo com a divulgação de um vídeo, editado de maneira grosseira, expondo declarações sem sentido e equívocas de certos psicanalistas. Uma associação de pais requereu que o ministério da saúde francês suspendesse a recomendação do tratamento de crianças autistas pelo método psicanalítico. Tradicionais centros de tratamento de crianças como Bonneuil foram ameaçados de intervenção psiquiátrica e coagidos a empregar formas “administrativamente mais viáveis” de tratamento das dificuldades graves da infância. Bons argumentos acerca desse sequestro medicalizante do sofrimento na infância podem ser encontrados na compilação organizada por Alfredo Jerusalinsky e Silvia Fendrik em O livro negro da psicopatologia contemporânea (Via Lettera, 2011).

Desde o DSM-III verifica-se um expurgo de oposições diagnósticas oriundas da psicanálise, tais como a distinção entre neurose e psicose, bem como a substituição dos antigos quadros clínicos, que definia sintomas em sua lógica de produção, por categorias descritivas e arranjos arbitrários de signos. Enquanto temos uma espantosa proliferação de novos transtornos para os adultos – cogita-se incluir a tensão prémenstrual (TPM) como a mais nova forma de doença mental – no campo da clínica com crianças há um processo inverso de redução e expansão injustificada dos critérios diagnósticos para o autismo.

Por que será que a diagnóstica das doenças mentais dos adultos se pulveriza na medida inversa em que a diagnóstica das crianças se concentra inflacionando o autismo? Que epidemia teria feito as crianças sofrerem de modo cada vez mais igual e os adultos de modo cada vez mais diferente? Por que os sofrimentos se “atualizam” de forma tão afinada com as gerações de medicamentos? Agregados de forma cumulativo, tal como Combo Junky Food, os novos quadros clínicos são recorrentemente definidos de modo reverso. Antigamente se dizia, cinicamente, que a inteligência é aquilo que os testes de inteligência mediam. Hoje ouvimos dizer, analogamente, que a depressão é aquilo que os antidepressivos curam. E que o autismo é aquilo que os neurolépticos aquietam. Efeito da compressão diagnóstica, que exclui a existência de quadros de psicose entre crianças, este limite interesseiro da classificação e da prerrogativa de tratamento prolifera a retórica do pósdiagnóstico. Ou seja, inúmeros casos de cura de autismo – conforme depoimentos de pais de crianças tratadas pela psicanálise – são neutralizados pelo argumento “fatalista” de que se houve melhora é porque o diagnóstico inicial estava errado (não eram verdadeiros autistas). A sobrecarga de diagnósticos de déficit de atenção e hiperatividade (que aparentemente herdou a popularidade das antigas dislexias) e de transtornos do espectro autista parece estar a serviço da supermedicalização. Mas com a nova lei brasileira do ato médico só haverá um tipo de diagnóstico e de indicação de tratamento. E não será o psicanalítico. Enquanto isso as crianças sofrerão caladas, sonolentas e pacificadas; seus pais terão certeza absoluta de que estão fazendo o melhor para seus filhos, os médicos seguirão seus protocolos e a saúde das populações terá sido resguardada contra a peste da psicanálise.