Angelica Hoffler
Psicanalista e professora
Cada vez com mais frequência, um professor que leciona em cursos de
graduação e até mesmo pós-graduação depara-se com o incômodo que os alunos
sentem quando são convidados a pensar, posicionar-se e até mesmo redigir um
trabalho. Nem todos sabem, inclusive alunos de pós-graduação, que redigir um
trabalho é muito mais do que copiar e colar textos da internet. Aqui, não me
atentarei à questão legal, que copiar idéias sem mencionar a autoria das
informações é crime, chamado de plágio. Penso que, o aspecto mais complexo e terrível deste assunto talvez seja
a dificuldade de investir. Investir em
si mesmo, ao desafiar o medo de se expor ao escrever, confiar na capacidade de
se sustentar e, no caso dos professores, de todos os níveis de escolaridade, de
investir no aluno ao pedir um trabalho realizado com responsabilidade.
Em tempos de globalização é muito fácil ter acesso à informação. Nas
pontas dos textos, a partir de uma conexão via celular, onde quer que se esteja
é possível ter a impressão de se alcançar o mundo. Mas quanto desta informação
se transforma em conhecimento? Que uso é
feito daquilo que é disponibilizado de forma tão fácil no mundo virtual?
Quando o tempo é o agora, torna-se difícil ter uma dimensão histórica. O
ser humano é constituído por sua história,
agente e produto dela. O aqui e o agora o mantém num lugar supostamente
protegido e controlado, útero que o alimenta e o gesta. Sem esforço. De modo
ilusório, sem custo. Mas na dependência de um outro, do qual se nutre, que
produz seus pensamentos, que lhe dá um lugar de existência. Ou só sobrevivência
e cópia, numa (con)forma(ção).
Conformar ou formar num sentido que o modelo de Educação costuma
dar, é retirar a perspectiva, uma vez
que o que se pode esperar (se isso for possível) está dentro do quadrado. Torna-se difícil olhar para o próprio desejo,
tomar consciência das ideias próprias, ainda que inapropriadas para o modelo, e
fazê-las valer. Todo trabalho de construção, neste caso, de um texto ou de uma
pesquisa, que é trabalho de conhecimento, de vínculos com a realidade, parece
sem propósito, é árduo, demorado, exige um tempo investido em se sustentar com
as próprias ideias. Por isso é muitas vezes difícil ter um projeto e dedicar-se
a ele. Sair da onipotência proporcionada por este útero é defrontar-se com uma
realidade que limita e dá um lugar de existência frente às diferenças, e exige
recursos para explorar caminhos outros (e não do outro).
Numa sociedade em que mercadorias, pessoas e ideias são consumidas
vorazmente, sustentar uma opinião diferente, posicionar-se de outra forma, não
aceitar digerir o que é oferecido pode ser visto como indisciplina. É estranho,
estrangeiro, marginal. Disciplinado é o aluno que se enquadra na forma. Este é
aprovado nos exames. “Decorei toda lição, Não errei nenhuma questão, Não
aprendi nada de bom, Mas tirei dez (boa filhão!)” diz Gabriel o Pensador na
música Estudo errado. Só pensa
o pensamento dos outros. Ao se submeter aos exames, apavora-se, teme, não num
sentido de castração de sua onipotência infantil, mas de retalhamento de seu
ser (em Psicanálise, diríamos que não faz a passagem esperada no Édipo de ser o Falo para ter o Falo): “E se o professor não gostar do que eu escrever?”.
Quantas vezes vi os alunos perplexos quando eu lhes devolvia uma “prova” (que
as instituições insistem em manter, para provar o quê?) e lhes dizia: “Isto que
você escreveu eu já sei, foi o que eu falei na aula e li nos textos. O que eu
quero é saber o que você pensa sobre isso!”
O limite que as avaliações costumam impor não é a de um saber a ser
buscado (sobre o mundo e sobre si mesmo), mas o limite imposto por aquilo que o
outro quer que o aluno saiba. Saber que pode amarrar o professor nos conteúdos
programáticos, nos cronogramas a serem obedecidos, nas avaliações a serem
aplicadas. Professores disciplinados geram alunos disciplinados. E Foucault
trabalhou as consequências disso com maestria.
O conhecer é uma parte do pensar. Para querer conhecer, é preciso sentir
uma falta, um incômodo. Quando se fala em formação na escola, fala-se em
informação...aquilo que vem do outro. E quando esse sistema funciona, o aluno
se esvazia de tal modo que ele passa a desejar o que o outro quer que ele
deseje, desaparece como sujeito e não se sustenta com aquilo que lhe é
oferecido. O mesmo pode ocorrer com o professor. Simplesmente copia e cola.
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