quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Copiar e colar


Angelica Hoffler
Psicanalista e professora
Cada vez com mais frequência, um professor que leciona em cursos de graduação e até mesmo pós-graduação depara-se com o incômodo que os alunos sentem quando são convidados a pensar, posicionar-se e até mesmo redigir um trabalho. Nem todos sabem, inclusive alunos de pós-graduação, que redigir um trabalho é muito mais do que copiar e colar textos da internet. Aqui, não me atentarei à questão legal, que copiar idéias sem mencionar a autoria das informações é crime, chamado de plágio. Penso que, o aspecto mais  complexo e terrível deste assunto talvez seja a dificuldade de  investir. Investir em si mesmo, ao desafiar o medo de se expor ao escrever, confiar na capacidade de se sustentar e, no caso dos professores, de todos os níveis de escolaridade, de investir no aluno ao pedir um trabalho realizado com responsabilidade.
Em tempos de globalização é muito fácil ter acesso à informação. Nas pontas dos textos, a partir de uma conexão via celular, onde quer que se esteja é possível ter a impressão de se alcançar o mundo. Mas quanto desta informação se transforma em conhecimento? Que  uso é feito daquilo que é disponibilizado de forma tão fácil no mundo virtual?
Quando o tempo é o agora, torna-se difícil ter uma dimensão histórica. O ser humano é  constituído por sua história, agente e produto dela. O aqui e o agora o mantém num lugar supostamente protegido e controlado, útero que o alimenta e o gesta. Sem esforço. De modo ilusório, sem custo. Mas na dependência de um outro, do qual se nutre, que produz seus pensamentos, que lhe dá um lugar de existência. Ou só sobrevivência e cópia, numa (con)forma(ção).
Conformar ou formar num sentido que o modelo de Educação costuma dar,  é retirar a perspectiva, uma vez que o que se pode esperar (se isso for possível) está dentro do quadrado.  Torna-se difícil olhar para o próprio desejo, tomar consciência das ideias próprias, ainda que inapropriadas para o modelo, e fazê-las valer. Todo trabalho de construção, neste caso, de um texto ou de uma pesquisa, que é trabalho de conhecimento, de vínculos com a realidade, parece sem propósito, é árduo, demorado, exige um tempo investido em se sustentar com as próprias ideias. Por isso é muitas vezes difícil ter um projeto e dedicar-se a ele. Sair da onipotência proporcionada por este útero é defrontar-se com uma realidade que limita e dá um lugar de existência frente às diferenças, e exige recursos para explorar caminhos outros (e não do outro).
Numa sociedade em que mercadorias, pessoas e ideias são consumidas vorazmente, sustentar uma opinião diferente, posicionar-se de outra forma, não aceitar digerir o que é oferecido pode ser visto como indisciplina. É estranho, estrangeiro, marginal. Disciplinado é o aluno que se enquadra na forma. Este é aprovado nos exames.  “Decorei toda lição, Não errei nenhuma questão, Não aprendi nada de bom, Mas tirei dez (boa filhão!)” diz Gabriel o Pensador na música Estudo errado. Só pensa o pensamento dos outros. Ao se submeter aos exames, apavora-se, teme, não num sentido de castração de sua onipotência infantil, mas de retalhamento de seu ser (em Psicanálise, diríamos que não faz a passagem esperada no Édipo de ser o Falo para ter o Falo): “E se o professor não gostar do que eu escrever?”. Quantas vezes vi os alunos perplexos quando eu lhes devolvia uma “prova” (que as instituições insistem em manter, para provar o quê?) e lhes dizia: “Isto que você escreveu eu já sei, foi o que eu falei na aula e li nos textos. O que eu quero é saber o que você pensa sobre isso!”
O limite que as avaliações costumam impor não é a de um saber a ser buscado (sobre o mundo e sobre si mesmo), mas o limite imposto por aquilo que o outro quer que o aluno saiba. Saber que pode amarrar o professor nos conteúdos programáticos, nos cronogramas a serem obedecidos, nas avaliações a serem aplicadas. Professores disciplinados geram alunos disciplinados. E Foucault trabalhou as consequências disso com maestria.
O conhecer é uma parte do pensar. Para querer conhecer, é preciso sentir uma falta, um incômodo. Quando se fala em formação na escola, fala-se em informação...aquilo que vem do outro. E quando esse sistema funciona, o aluno se esvazia de tal modo que ele passa a desejar o que o outro quer que ele deseje, desaparece como sujeito e não se sustenta com aquilo que lhe é oferecido. O mesmo pode ocorrer com o professor. Simplesmente copia e cola.

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