Angelica Hoffler
Psicanalista e
professora
Tempos atrás, uma amiga minha participou de uma degustação de vinhos.
Mas o que mais lhe chamou a atenção não foi a combinação dos pratos servidos e
a composição de uvas utilizadas nas bebidas. Uma moça, bonita e bem vestida,
sentou-se à mesa em que ela estava e começou a mostrar, diretamente de seu
celular, as fotos de seus gatos. Sem esperar qualquer consideração da parte de
quem estava à mesa, falou de seus conhecimentos enológicos e à medida que
pratos e vinhos eram servidos, fotografava-os e os postava na sua página de uma
rede social. Esta história, contada pela minha amiga, me fez traçar algumas
considerações sobre o uso de redes sociais e sobre os relacionamentos na
atualidade.
Conviver é um dos nossos maiores desafios. Vivemos, como neuróticos, o
intenso conflito entre ceder aos nossos desejos mais narcisistas e ficar
relegados à solidão, ou reprimi-los em nome do amor. As redes sociais
apresentam uma alternativa ao “castigo da solidão”: a opacidade do outro,
interlocutor das redes sociais, pode relegar o sujeito à fantasia de “amigos
imaginários” que são adicionados ou não a sua página, território em que uma identidade
é forjada.
Levar o mundo consigo, poder acessá-lo de um tablet ou celular no metrô
pode fazer o sujeito sair supostamente do isolamento, mas não necessariamente
da solidão. Quem é o outro para o qual ele posta (e expõe) sua vida? Entre mensagens postadas,
curtidas, comentadas, pessoas/personagens seguidos o que se espera deste outro
(interlocutor) (virtual)? Olhar e ser olhado é mais que ver e ser visto. A
imagem postada se inscreve numa falta, numa ausência.
O uso compulsivo das redes
sociais dá um lugar de existência mediante o suposto olhar de um outro, que por estar distante,
não impõe os limites que as relações “reais” impõem. Se meu “amigo” postar algo
de que eu não gosto ou se eu deixar de “gostar” de meu amigo, basta “deletá-lo”.
Elimina-se o problema. E com ele, o desafio proposto pela existência humana,
que é em si conflito. Desta forma, o usuário torna-se onipotente frente às
relações. Não se sai de um narcisismo que faz de adultos ainda “sua majestade o
bebê”, usando as palavras de Freud.
O aqui e o agora é o que vale. A possibilidade de tudo poder acessar e
de tudo poder ver dá-lhe impressão de onisciência. Ao compartilhar mensagens e
postar sua vida pessoal na rede, o sujeito compõe também para si um texto
instantâneo. Mas os que as palavras escritas (re)velam? O que sabe de si e do
outro? Constrói-se uma imagem em que supostamente não há falta, frustrações,
confronto. O “acho que sou” torna-se “eu sou” pela ausência do conflito. Mas
nas redes sociais assim como na sociedade do espetáculo, “eu sou” para quem?
Lida-se com o ideal e não com o “real”.
Por isso vemos pedidos de postar só mensagens felizes, não tratar de
violência, futebol, religião e não fazer propaganda eleitoral. Nas mensagens do
tipo “se você ama seu pai, sua mãe, seu irmão...compartilhe”, a quem se espera
provar a ideia ou o afeto? O universo idílico revela a dificuldade de se lidar
com a adversidade, de conviver com a diferença, de efetivamente interagir a
partir de um olhar.
O que há da minha voz na voz deste outro? E o que há do outro na minha
voz? Sim, porque na escrita também há a inscrição de uma voz. E como lidar (ou
não) com os afetos?: se estou com medo, basta tuitar, se estou com insônia
entro no facebook. Para a edição do DSM-V (Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais-Diagnostic
and Statistical Manual of Mental Disorders), proposta para 2013, discute-se a
inclusão de “adicção à internet”. E aí, mais um rótulo: “se você é adicto à
internet compartilhe!”. Por mais que se tente ocultar, entre palavras, imagens
e rótulos, a questão da subjetividade e dos relacionamentos, tão contemporânea,
continuarão a se inscrever no sofrimento que eles visam ocultar.
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