quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O que pode estar por trás do professor autoritário ou desinteressado?


Angelica Hoffler
Professora e Psicanalista
O que determina a escolha profissional? Mais especificamente, o que faz alguém querer ser professor? Ao longo dos meus anos como professora em cursos de Licenciatura pude perceber a transformação dos alunos marcada sobretudo pelo início dos estágios: antes, estudantes apegados a uma Educação ideal, que poderia mudar o mundo. Depois, arrasados pela realidade política, social e econômica que eclode nas salas de aula, lotadas, com alunos dispersos dos assuntos das aulas, professores desamparados e destituídos de qualquer desejo. Escola/Estado de violência que atravessa o sujeito. E atinge o professor.
Quem chega à escola e passa cinco minutos na sala dos professores ouvirá comentários que desqualificam os alunos (“são todos burros e delinquentes”), que demonstram descaso (“não tô nem ai pra eles, eu finjo que ensino, eles finjem que aprendem”), ou mesmo superioridade (“grito mesmo. Só assim, no berro, é que eles me ouvem”.) É muito fácil julgar estes professores que agem assim, taxando-os de autoritários ou desinteressados, contudo, estes professores podem estar simplesmente se defendendo inconscientemente de sua impotência.
A Psicanálise nos esclarece que para a preservação do ego, existem mecanismos de defesa que são acionados quando a realidade se torna insuportável. Hanna Segal, no livro  Introdução à obra de Melanie Klein, (Rio de Janeiro: Imago, 1975), trata de  defesas maníacas que se dirigem aos sentimentos de perda, luto, anseio e culpa, que podem, nesta nossa leitura, estar presente nestes professores que tem dificuldade em lidar com as situações sociais que eclodem na escola.
Assim, de acordo com a autora, o objeto (e neste caso o aluno) que ameaça, por conter dependência, ambivalência e culpa, deve ficar afastado do ego. Para isso, instaura-se uma relação maníaca com o objeto que se caracteriza por três sentimentos que gravitam em torno da onipotência:
1. Controle: nega a dependência e compele o objeto  a preencher esta necessidade de dependência, pois à medida que é controlado, pode-se contar com ele;
2. Triunfo: “é negação dos sentimentos depressivos de valorizar e de se importar” (SEGAL, 1975, p. 96). Apresenta-se em dois aspectos: em função da inveja, ataca-se o objeto e o vê como derrotado; mantém o objeto afastado evitando sentimentos de ânsia pelo objeto, desejo, falta;
3. Desprezo: mais uma vez nega o fato de valorizar o objeto e defende o ego da experiência de perda e culpa. “O objeto de desprezo não é objeto digno de culpa, e o desprezo experimentado em relação a esse objeto se torna uma justificação para outros ataques contra ele” (SEGAL, 1975, p. 97).
Estes três sentimentos relativos à onipotência são bastante comuns na escola. O controle está diretamente relacionado ao professor que não sabe lidar com seus desejos e não entende como a Educação se relaciona com a falta. Somos seres incompletos. É a falta que nos possibilita desejar. E o desejo nos impulsiona à vida e ao saber. Este professor entende que ele, como detentor de um saber, exercerá relação de dependência e controle de seus alunos. Mas à medida que o suposto saber do professor não se relaciona ao desejo dos alunos, o controle é frustrado.
Não raro, o professor frustrado pela falta de controle deixa de investir na relação de ensino-aprendizagem e passa a dar aulas. Ao deixar de valorizar e de se importar com seus alunos, muitas vezes repete internamente esta atitude, e/ou adoece (burnout, depressão) ou torna-se violento com os alunos, diminuindo sua imagem (“aliens”, “gremlins”, “monstrinhos”, “marginais”). E aqui, o triunfo relaciona-se ao desprezo pois ao diminuir a imagem dos alunos justifica seus ataques contra eles, se livra da culpa pela indisciplina (entendida como falta de controle) e do fracasso escolar, e da perda daquilo que lhe preenchia a falta. Mantém-se na fantasia de onipotência, conservando de um lado seu ego, de outro o objeto vinculado à realidade: a culpa é do Outro. E as defesas maníacas continuam sua reprodução.
E vemos como é atual a fala de Freud, em 1932, (conferência XXXIV: Explicações, aplicações e orientações): ele menciona a importante contribuição da Psicanálise à Educação, na sua relação com os professores: “Se considerarmos agora os difíceis problemas com que se defronta o educador - como ele tem de reconhecer a individualidade constitucional da criança, de inferir, a partir de pequenos indícios, o que é que está se passando na mente imatura desta, de dar-lhe a quantidade exata de amor e, ao mesmo tempo, manter um grau eficaz de autoridade -, haveremos de dizer a nós mesmos que a única preparação adequada para a profissão de educador é uma sólida formação psicanalítica. Seria melhor que o educador tivesse sido, ele próprio, analisado, de vez que o certo é ser impossível assimilar a análise sem experimentá-la pessoalmente. A análise de professores e educadores parece ser uma medida profilática mais eficiente do que a análise das próprias crianças, e são menores as dificuldades para pô-la em prática.”
A Psicanálise pode trazer importante contribuição à Educação e às relações dentro da escola. A Psicanálise, por meio da escuta, tende a levar a tomada de consciência dos processos inconscientes, a perceber suas repetições e a elaborá-los. A Psicanálise não julga, como o senso comum tende a fazer.

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