sexta-feira, 20 de maio de 2011

Considerações sobre novos desejos

Contardo Calligaris. FSP, 19 mai. 2011

Causa da depressão pode não ser perda e frustração, mas a chegada de novo desejo, que é silenciado


UM JOVEM não sabe o que ele está a fim de fazer da vida, e os pais pedem que eu descubra qual é o desejo do filho, de modo que ele possa escolher o vestibular e a profissão que ele "realmente" gostaria.
Na mesma semana, encontro um adulto que acha que, de fato, nunca fez nada por desejo. Embora bem-sucedido, queixa-se de que suas escolhas (profissionais e amorosas) sempre teriam sido circunstanciais, efeitos de oportunidades encontradas ao longo do caminho. Ele pede, antes que seja tarde, que eu o ajude a descobrir qual é "realmente" o seu desejo.
Nos dois casos, o pressuposto é o mesmo: quem viver segundo seu desejo será, no mínimo, mais alegre. Esta é mesmo uma boa definição da alegria: a sensação de que nosso desejo está engajado no que estamos fazendo, ou seja, de que nossa vida não acontece por inércia e obrigação. Inversa e logicamente, muitos estimam dever sua (grande ou pequena) infelicidade ao fato de terem dirigido a vida por caminhos que - eles declaram - não eram exatamente os que eles queriam.
Pois bem, esse pressuposto e os pedidos que recebi se chocam com esta constatação: o "nosso desejo" nunca é UM desejo definido por UM objeto ou por UM projeto. Não existe, nem escrito lá no fundo escondido de nossa mente, UM querer definido, que poderíamos descobrir e, logo, praticar com afinco e satisfação porque estaríamos fazendo aquela coisa ou caçando aquele objeto aos quais éramos, por assim dizer, destinados. Nada disso: de uma certa forma, todos os objetos e os projetos se valem, e nenhum é "nosso" objeto ou projeto específico. Ou seja, nós desejamos sempre segundo as circunstâncias, os encontros, as oportunidades - segundo as tentações, se você preferir.
Somos volúveis? Nem tanto, pois cada objeto e projeto não substitui necessariamente o anterior. O que acontece é que desejar é uma atividade inventiva a jato contínuo.
Por consequência, mesmo quando estamos alegremente convencidos de estar fazendo o que queremos com nossa vida, nunca estamos ao abrigo do surgimento de desejos novos.
Claro, podemos aceitar esses desejos novos. Por exemplo, em "As Confissões de Schmidt" (que não é um grande filme), de A. Payne, com Jack Nicholson, o protagonista acorda de noite, olha para sua mulher de sei lá quantos anos e se pergunta estupefato: "Quem é esta mulher que dorme na minha cama?". Logo, ele dá um rumo novo à sua vida, colocando o pé na estrada. Mas a expressão de seus novos desejos é fortemente facilitada por duas circunstâncias: providencialmente, o protagonista se aposenta e fica viúvo. Nessas condições, escutar novos desejos fica fácil, não é?
Agora, imaginemos alguém que esteja no meio de sua vida profissional e num bom momento de sua vida amorosa. Nesse caso, provavelmente, o novo desejo será silenciado, reprimido, menosprezado ("deixe para lá, é besteira"). Resultado: o indivíduo continuará declarando que está vivendo a vida que ele queria (e, em parte, será verdade); só que, de repente, sem entender por quê, ele perderá sua alegria.
Por que razão nosso indivíduo negligenciaria seus novos desejos? Simples: por serem novos, eles acarretam a ameaça de uma ruptura no presente: afetos e laços que poderiam ser perdidos, medo da solidão e preguiça dos esforços necessários para reinventar a vida.
Infelizmente, essa negligência tem um custo alto. Sempre entendi assim a "Metamorfose", de Kafka: alguém acorda, e o que até então era uma vida normal e legal, de repente, aos seus olhos, é uma vida de barata.
Nota útil para a clínica da depressão. Às vezes, procuramos em vão as causas de uma depressão; será que houve lutos ou perdas? Nada disso; está tudo bem, trabalho, família, filhos e tal, mas o indivíduo entristece, volta a fumar e a beber como se quisesse encurtar a vida, engorda como se estivesse num mar de frustração e precisasse de gratificações alternativas.
Em muitas dessas vezes, a origem da depressão não é uma perda, nem propriamente uma frustração, mas a aparição de um desejo novo que não foi reconhecido. E os novos desejos, sobretudo quando são silenciados, desvalorizam a vida que estamos vivendo.
Moral da fábula: 1) Não existem vidas definitivamente resolvidas, pois novos desejos surgem sempre; 2) É bom reconhecer os novos desejos, mesmo que deixemos de realizá-los.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

O massacre e a filosofia

Renato Janine Ribeiro- 10 abr. 2011
Disponível em http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110410/not_imp704220,0.php

O massacre do Realengo deixa-nos, todos, estupefatos. Por que ele aconteceu? A filosofia tem algumas coisas, até conflitantes entre si, a dizer a respeito.
A primeira reação, a mais popular, consiste em achar que foi coisa do Mal - não necessariamente do diabo, mas de algo mau que haja no mundo. No pensamento mais sofisticado essa visão é minoritária, mas existe. Pois é difícil negar a presença de algo mau na vida. Contudo a principal tendência hoje, na filosofia como nos saberes que lidam com a sociedade ou a psique, é considerar que o mau é produzido, é resultado. Vejam o que se conta do assassino: uma pessoa com sérios problemas psíquicos, talvez de origem neurológica, que se agravaram pelas condições em que vivia e por, aparentemente, não ter sido tratada. Seus atos são maus, mas com adequado tratamento talvez ele pudesse ter-se socializado.
O mal não seria algo originário, mas efeito de condições anteriores. Há uma vasta gama de possíveis causas para o crime. Mas não interessa aqui qual explicação se dê. O que importa é que se deem explicações, talvez algumas delas genéticas, mas que terão sido ativadas por razões de convívio (ou sua falta) e por carência de tratamento especializado. Ou seja, o mal é produto de algo que, em si, não é mal. Não haveria "o Mal", menos ainda o demônio. Há problemas de ordem humana e que o homem, isto é, a sociedade, pode resolver.
Essa visão hoje predomina, nas ciências como na imprensa. A mídia procura especialistas que expliquem. Mais que isso, explicando o horrível, espera-se que ele não seja replicado. Como consegui-lo? Uns falam em detectores de metais e em guardas nas escolas, o que é pouco viável. Eu pensaria em mais atendimento social a pessoas em perigo, como era, até o crime, o futuro assassino. Choquei-me ao ver, 12 horas depois da chacina, a escola cheia de policiais, a essa altura desnecessários. O Realengo precisava, então, era de centenas de assistentes sociais, de psicólogos, de gente que pudesse ajudar as famílias e suas crianças a lidar com o trauma, que não afetou somente os parentes dos mortos, mas a comunidade inteira - e o Brasil também, porque nunca imaginamos nossas crianças como alvos de ataque tão perverso.
Essa visão tem, ainda que poucos o saibam, remota origem platônica. Platão entendia que só se faz o mal por se ignorar o Bem. A visão do Bem, o seu conhecimento, é tão forte que torna impossível praticar o mal. Ou seja, voltando a nossos estudiosos da sociedade e da psique, e a nossos proponentes de políticas públicas, todos poderão conviver razoavelmente se as condições que deflagram a agressão forem devidamente tratadas. Mas isso não é fácil. Embora saia mais caro construir cadeias e contratar policiais do que erguer escolas e apelar a especialistas no atendimento humano, a tendência é preferir reagir ao choque a prevenir males. Até porque, quando males ocorrem, são visíveis; quando são prevenidos, nunca se sabe deles. A prevenção do crime por suas causas não é notícia.
Vamos a uma terceira visão filosófica dessa chacina. Agora, o horrível é a impiedade. Como pode alguém massacrar inocentes? Ora, há um grande exemplo histórico nessa direção, que foi o nazismo. Muitos indagaram como a Alemanha, país tão civilizado, fora capaz de matar 6 milhões de judeus, bem como ciganos, em menor número, e eslavos, mais numerosos. Há explicações: a humilhação do Tratado de Versalhes, imposto aos alemães (em 1919, após a 1.ª Guerra Mundial), um antissemitismo presente em várias camadas da população, o autoritarismo prussiano. Mas não bastam. Outras culturas tiveram elementos comparáveis, separados ou reunidos, e nem por isso realizaram holocaustos. Daí que vários estudiosos digam que, em última análise, a análise não consegue explicar o horror. O que se poderia dizer é que pouco resta a dizer, sobre o Holocausto. Os testemunhos são mais poderosos do que as explicações. As causas e razões apontadas ficam muito aquém do sofrimento gerado. Daí que se possa e se deva contar o que aconteceu, mas sem jamais entender como tanto mal pôde ser feito pelo homem - ou tolerado por Deus, se Ele existe. Se o horror é inexplicável, que seja, então, narrado: que, pelo menos, não se torne inenarrável. E sabemos que contar o horror pode aumentá-lo, mas também pode aliviá-lo.
O curioso é que a piedade é um sentimento relativamente recente na vida social. Seu grande defensor é Jean-Jacques Rousseau, que, no século 18, afirmou que o sentimento mais básico no homem é a piedade, a comiseração, a capacidade de sofrer junto ("com+paixão") com qualquer vivente que também sofra. Rousseau talvez pensasse que descrevia o homem como ele é, e nisso pode ter errado. Por milênios, um dos espetáculos mais prestigiados - pelos pobres e pela elite - era ver a lenta agonia dos condenados, em público. Mas depois de Rousseau isso muda. Basta notar que a execução deixa de ser lenta para ser rápida, sai da praça pública para o interior das prisões e, finalmente, é suprimida em quase todos os países do mundo.
No entanto, quase 200 anos depois de Rousseau, a pátria de Goethe e Kant chacinou milhões. Quinze anos atrás, hutus massacraram tutsis. E assassinos chacinam crianças. Falta piedade. O que dizer sobre isso? Temos a explicação pelo Mal, a explicação pelas causas sociais e psíquicas e a impossibilidade de explicar. Pessoalmente, mas sem conseguir descartar a primeira, eu oscilaria entre as duas últimas - apostando em mais políticas públicas, agora focadas talvez em impedir que pessoas que sofrem venham a causar sofrimento inenarrável a outras, e também no respeito de quem sente que, se nesta altura as razões não consolam das perdas, as palavras, pelo menos, podem não ser vãs. Isso se elas ajudarem a recuperar os sobreviventes - do Realengo e, pela televisão interposta, do Brasil inteiro -, que precisam voltar a viver com esperança e sem medo.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Grupo de estudo: Psicanálise e educação

Encontros semanais para discussão de textos sobre a relação entre a psicanálise e a educação, com o objetivo de fornecer elementos para reflexão, compreensão da dinâmica emocional e atuação diferenciada na sala de aula.
Público-alvo: professores, educadores e estudantes de cursos de licenciatura.
Horários: 3ª-feira, das 20h30 às 22h ou sábado, das 14h30min às 16h
Responsável: Angelica Höffler, professora e psicanalista

Grupo de Estudo: Dificuldades de Aprendizagem

Encontros para discussão de textos sobre as dificuldades de aprendizagem encontradas em nossas escolas atualmente, com o objetivo de fornecer elementos para reflexão, compreensão da dinâmica da aprendizagem e seus problemas e atuação diferenciada na sala de aula.
Público-alvo: psicopedagogos, professores, educadores e estudantes de cursos de licenciatura.
Horário: 5ª-feira, das 20h às 21h30min
Responsável: Lucimara Mantovani, fonoaudióloga e psicopedagoga

Acolhimento de pais

Qual é o papel que se espera dos pais e da escola na educação das crianças e dos adolescentes? Como aliar o trabalho à educação dos filhos? Como educar crianças e adolescentes e lidar com a angústia de “tentar fazer o melhor”?
Ser pai e mãe não é tarefa fácil. Desempenhar este papel exige destes atores especial capacidade de suportar emoções e situações com as quais nem sempre se estão prontos para lidar.
Por isso, a troca de experiências, a compreensão da dinâmica familiar e a interpretação dos sentimentos que se presentificam durante a atuação como pai e mãe pode ser extremamente enriquecedor para criar o suporte necessário para a construção de um ambiente possível onde as relações transcorram de modo saudável.
Objetivos:
·         Amparar pais e familiares na tarefa de Educação de crianças e adolescentes proporcionando uma releitura das situações vivenciadas e a compreensão dos sentimentos nelas envolvidos;
·         Propiciar troca de experiências, sem julgamentos, entre os membros do grupo de modo que cada sujeito sinta-se capaz e responsável, a partir de suas potencialidades, de ser agente do processo afetivo e educativo;
·         Criar ambiente de acolhimento de angústias, a fim de interpretá-las e desenvolver a capacidade de lidar com elas;
·         Integrar pais, filhos e educadores fazendo-os observar papéis e competências pessoais nas diferentes relações de que participam.
Horário: 2ª-feira, das 20h30 às 22h
Responsáveis: Angelica Höffler, professora e psicanalista e Lucimara Mantovani, fonoaudióloga e psicopedagoga

Supervisão sobre dificuldades de aprendizagem para professores

Encontros com professores e estudantes de cursos de licenciatura, que já deram início aos estágios, para compartilhar experiências, refletir sobre as dificuldades de aprendizagem e elaborar compreensão e possíveis intervenções através das discussões das teorias que embasam esse tema.
Supervisões individuais e em grupo.
Encontros quinzenais, com duração de 1h30min.
Responsável: Lucimara Mantovani, fonoaudióloga e psicopedagoga
Informações: angelicahoffler@gmail.com

Acolhimento de educadores e suporte para situações escolares

o

Acolhimento de educadores e suporte para situações escolares
O projeto de supervisão para professores destina-se a escutar e dialogar com professores, em situações de grupo. Ao relatar as situações vivenciadas no ambiente escolar, estes educadores, plenos do desejo de ensinar, demonstram-se angustiados frente às situações conflituosas que lhes trazem sensação de impotência e desamparo. Desta forma, o projeto de supervisão para professores visa abrir espaço a estes profissionais apaixonados pela educação de modo que possam reconhecer as variáveis das situações vivenciadas e reorganizar sua prática.
Objetivos                                                                                
·         Oferecer um espaço acolhedor para ouvir as inquietações, dificuldades e angústias de professores em relação às questões de educação e interações no ambiente escolar.
·         Propiciar o reconhecimento e o fortalecimento de uma identidade profissional com vistas à atuação didática possível;
·         Desmistificar o destino de uma educação legada ao fracasso e ao descaso, sujeita a autoritarismos, onde a única relação possível é aquela que se faz mediante um poder (frequentemente violento, também em termos simbólicos) exercido sobre subordinados.
Público-alvo: professores, educadores e estudantes de cursos de licenciatura.
Horário: 4ª-feira, das 20h30 às 22h
Responsável: Angelica Höffler, professora e psicanalista

quinta-feira, 10 de março de 2011

Pesquisas de grupo

Pesquisas de grupo  
Contardo Calligaris- FSP

Queremos ver as crianças felizes e jocosas. Portanto, nós preferimos emburrecê-las a aborrecê-las

FRANCISCO, 8, anuncia: “Preciso fazer uma pesquisa para um projeto de grupo sobre a China”.
Encarregado das ilustrações, Francisco “pesquisa” no Google Imagens.
A impressora está em pane; alguém leva Francisco e seu pen-drive para a casa da tia, a qual interrompe seu jantar para imprimir os arquivos.
Em menos tempo (e sem mobilização familiar), Francisco poderia ter memorizado três boas páginas sobre a China, seus costumes, sua história etc.
Há 20 anos, como pai, padrasto, professor e terapeuta, sou perseguido pelas “pesquisas de grupo”.
A moda do trabalho escolar em grupo evoca, aos meus ouvidos, a fala de colegas que, nos anos 70, improvisavam grupos terapêuticos. Os tempos são duros, eles diziam, e o paciente pagará a metade do que custa uma sessão individual.
De fato, a terapia de grupo não é uma espécie de excursão de ônibus (mais barata para os turistas e mais rentável para o cicerone): ao contrário, ela é uma forma específica de terapia, na qual a dinâmica do grupo mobiliza aspectos da subjetividade que seriam de acesso e manejo árduos numa terapia individual.
Ou seja, na terapia de grupo, a existência do grupo permite algo que aconteceria mais dificilmente numa terapia individual.
Será que o mesmo não deveria valer para os trabalhos em grupo nas escolas? O trabalho em grupo só se justificaria se ele permitir que o aluno tenha uma experiência diferente, mais rica da que é proporcionada pelo trabalho individual.
Alguns dirão que isso é o que acontece: o trabalho em grupo promove uma socialização que é crucial para a criança. Poderia responder que um pouco de solidão garante o silêncio necessário para que o aluno desenvolva uma vida interior.
Mas a questão é esta: quantos professores têm a competência e o entusiasmo pedagógicos necessários para propor um trabalho de grupo que não seja apenas uma excursão mais barata por ser de ônibus?
Também faz 20 anos que ouço crianças anunciando que seu dever de casa é uma “pesquisa” – nas enciclopédias, nas revistas, nos livros dos pais, nas bibliotecas, na internet e no Google.
Ora, procurar uma palavra num dicionário, numa enciclopédia ou no Google, é, justamente, uma procura -não é uma pesquisa.
Ler dez, 20 ou mesmo 50 livros sobre um tema não é pesquisar, é apenas se informar e estudar.
Se, a partir dessas leituras, alguém costurar uma nova interpretação dos fatos, essa engenharia do pensamento será suficiente para um trabalho de conclusão de curso, para uma dissertação de mestrado e até para uma tese de doutorado, mas ainda não será propriamente pesquisa.
Fazer pesquisa significa produzir (ou almejar produzir) um saber novo, inédito.
Imaginemos que Francisco, depois de passear pelo Google, leia dez livros sobre a visão da China pelos primeiros que viajaram para lá.
Isso seria estudo, não pesquisa. Agora imaginemos que, ao longo dessas leituras, ele se pergunte quais relatos de primeiros viajantes fossem conhecidos por Marco Polo.
Francisco poderia ir a Veneza e vasculhar a Biblioteca Marciana ou o Archivo di Stato até encontrar o testamento de Marco Polo, no qual o explorador talvez tivesse listado seus livros mais preciosos.
Essa, sim, seria uma pesquisa (aviso, para evitar viagens inúteis: o testamento de Marco Polo já foi encontrado há tempos).
Resta a pergunta: por que diabos, aparentemente, gostamos de convencer nossas crianças de que uma procura no Google seria pesquisa?
Por que diabos encorajamos trabalhos em grupo que são apenas maneiras de dividir as tarefas e minimizar o esforço? Por que, em geral, exigimos cada vez menos de nossas crianças?
A resposta usual (e certeira) é a seguinte: amamos nossas crianças como continuações de nós mesmos. Para compensar nossas frustrações, queremos vê-las continuamente saltitantes e jocosas. Portanto, preferimos emburrecê-las a aborrecê-las.
Mas é preciso completar essa resposta. Amamos as crianças porque elas poderão corrigir nossa vida quando não estivermos mais aqui.
É impossível que esse tipo de amor não seja contaminado por uma ambivalência, pois a vida futura das crianças é o símbolo de nossa mortalidade.
Nossa inveja (mais ou menos raivosa) pode, por exemplo, expressar-se assim: tudo bem, as crianças nos sobreviverão, só que a sua vida será inculta e chata -bem-feito, quem mandou não morrer com a gente?