quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Grupo de estudo: Psicanálise e contemporaneidade



Marcel Duchamp and Enrico Donati, Priere de Toucher (Please Touch), 1947

Vamos estudar o Mal-estar na civilização? Escrito em 1930, este texto de Sigmund Freud oportuniza a discussão de temas bastante atuais, pertencentes não só ao universo da Psicanálise mas também ao diálogo existente entre ela, a Filosofia e a Antropologia.
Público-alvo: interessados em geral
Investimento: R$80,00 por mês
Encontros: quinzenais, às terças, das 20h às 21h30min e aos sábados das 8h às 9h30min
Ou cel: 99764-9427 (Tim) e 99471-4591 (Claro)

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Copiar e colar


Angelica Hoffler
Psicanalista e professora
Cada vez com mais frequência, um professor que leciona em cursos de graduação e até mesmo pós-graduação depara-se com o incômodo que os alunos sentem quando são convidados a pensar, posicionar-se e até mesmo redigir um trabalho. Nem todos sabem, inclusive alunos de pós-graduação, que redigir um trabalho é muito mais do que copiar e colar textos da internet. Aqui, não me atentarei à questão legal, que copiar idéias sem mencionar a autoria das informações é crime, chamado de plágio. Penso que, o aspecto mais  complexo e terrível deste assunto talvez seja a dificuldade de  investir. Investir em si mesmo, ao desafiar o medo de se expor ao escrever, confiar na capacidade de se sustentar e, no caso dos professores, de todos os níveis de escolaridade, de investir no aluno ao pedir um trabalho realizado com responsabilidade.
Em tempos de globalização é muito fácil ter acesso à informação. Nas pontas dos textos, a partir de uma conexão via celular, onde quer que se esteja é possível ter a impressão de se alcançar o mundo. Mas quanto desta informação se transforma em conhecimento? Que  uso é feito daquilo que é disponibilizado de forma tão fácil no mundo virtual?
Quando o tempo é o agora, torna-se difícil ter uma dimensão histórica. O ser humano é  constituído por sua história, agente e produto dela. O aqui e o agora o mantém num lugar supostamente protegido e controlado, útero que o alimenta e o gesta. Sem esforço. De modo ilusório, sem custo. Mas na dependência de um outro, do qual se nutre, que produz seus pensamentos, que lhe dá um lugar de existência. Ou só sobrevivência e cópia, numa (con)forma(ção).
Conformar ou formar num sentido que o modelo de Educação costuma dar,  é retirar a perspectiva, uma vez que o que se pode esperar (se isso for possível) está dentro do quadrado.  Torna-se difícil olhar para o próprio desejo, tomar consciência das ideias próprias, ainda que inapropriadas para o modelo, e fazê-las valer. Todo trabalho de construção, neste caso, de um texto ou de uma pesquisa, que é trabalho de conhecimento, de vínculos com a realidade, parece sem propósito, é árduo, demorado, exige um tempo investido em se sustentar com as próprias ideias. Por isso é muitas vezes difícil ter um projeto e dedicar-se a ele. Sair da onipotência proporcionada por este útero é defrontar-se com uma realidade que limita e dá um lugar de existência frente às diferenças, e exige recursos para explorar caminhos outros (e não do outro).
Numa sociedade em que mercadorias, pessoas e ideias são consumidas vorazmente, sustentar uma opinião diferente, posicionar-se de outra forma, não aceitar digerir o que é oferecido pode ser visto como indisciplina. É estranho, estrangeiro, marginal. Disciplinado é o aluno que se enquadra na forma. Este é aprovado nos exames.  “Decorei toda lição, Não errei nenhuma questão, Não aprendi nada de bom, Mas tirei dez (boa filhão!)” diz Gabriel o Pensador na música Estudo errado. Só pensa o pensamento dos outros. Ao se submeter aos exames, apavora-se, teme, não num sentido de castração de sua onipotência infantil, mas de retalhamento de seu ser (em Psicanálise, diríamos que não faz a passagem esperada no Édipo de ser o Falo para ter o Falo): “E se o professor não gostar do que eu escrever?”. Quantas vezes vi os alunos perplexos quando eu lhes devolvia uma “prova” (que as instituições insistem em manter, para provar o quê?) e lhes dizia: “Isto que você escreveu eu já sei, foi o que eu falei na aula e li nos textos. O que eu quero é saber o que você pensa sobre isso!”
O limite que as avaliações costumam impor não é a de um saber a ser buscado (sobre o mundo e sobre si mesmo), mas o limite imposto por aquilo que o outro quer que o aluno saiba. Saber que pode amarrar o professor nos conteúdos programáticos, nos cronogramas a serem obedecidos, nas avaliações a serem aplicadas. Professores disciplinados geram alunos disciplinados. E Foucault trabalhou as consequências disso com maestria.
O conhecer é uma parte do pensar. Para querer conhecer, é preciso sentir uma falta, um incômodo. Quando se fala em formação na escola, fala-se em informação...aquilo que vem do outro. E quando esse sistema funciona, o aluno se esvazia de tal modo que ele passa a desejar o que o outro quer que ele deseje, desaparece como sujeito e não se sustenta com aquilo que lhe é oferecido. O mesmo pode ocorrer com o professor. Simplesmente copia e cola.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Tuíto logo existo






Angelica Hoffler
Psicanalista e professora
Tempos atrás, uma amiga minha participou de uma degustação de vinhos. Mas o que mais lhe chamou a atenção não foi a combinação dos pratos servidos e a composição de uvas utilizadas nas bebidas. Uma moça, bonita e bem vestida, sentou-se à mesa em que ela estava e começou a mostrar, diretamente de seu celular, as fotos de seus gatos. Sem esperar qualquer consideração da parte de quem estava à mesa, falou de seus conhecimentos enológicos e à medida que pratos e vinhos eram servidos, fotografava-os e os postava na sua página de uma rede social. Esta história, contada pela minha amiga, me fez traçar algumas considerações sobre o uso de redes sociais e sobre os relacionamentos na atualidade.
Conviver é um dos nossos maiores desafios. Vivemos, como neuróticos, o intenso conflito entre ceder aos nossos desejos mais narcisistas e ficar relegados à solidão, ou reprimi-los em nome do amor. As redes sociais apresentam uma alternativa ao “castigo da solidão”: a opacidade do outro, interlocutor das redes sociais, pode relegar o sujeito à fantasia de “amigos imaginários” que são adicionados ou não a sua página, território em que uma identidade é forjada.
Levar o mundo consigo, poder acessá-lo de um tablet ou celular no metrô pode fazer o sujeito sair supostamente do isolamento, mas não necessariamente da solidão. Quem é o outro para o qual ele posta  (e expõe) sua vida? Entre mensagens postadas, curtidas, comentadas, pessoas/personagens seguidos o que se espera deste outro (interlocutor) (virtual)? Olhar e ser olhado é mais que ver e ser visto. A imagem postada se inscreve numa falta, numa ausência.
O uso compulsivo das redes sociais dá um lugar de existência mediante o suposto olhar de um outro, que por estar distante, não impõe os limites que as relações “reais” impõem. Se meu “amigo” postar algo de que eu não gosto ou se eu deixar de “gostar” de meu amigo, basta “deletá-lo”. Elimina-se o problema. E com ele, o desafio proposto pela existência humana, que é em si conflito. Desta forma, o usuário torna-se onipotente frente às relações. Não se sai de um narcisismo que faz de adultos ainda “sua majestade o bebê”, usando as palavras de Freud.
O aqui e o agora é o que vale. A possibilidade de tudo poder acessar e de tudo poder ver dá-lhe impressão de onisciência. Ao compartilhar mensagens e postar sua vida pessoal na rede, o sujeito compõe também para si um texto instantâneo. Mas os que as palavras escritas (re)velam? O que sabe de si e do outro? Constrói-se uma imagem em que supostamente não há falta, frustrações, confronto. O “acho que sou” torna-se “eu sou” pela ausência do conflito. Mas nas redes sociais assim como na sociedade do espetáculo, “eu sou” para quem? Lida-se com o ideal e não com o “real”.
Por isso vemos pedidos de postar só mensagens felizes, não tratar de violência, futebol, religião e não fazer propaganda eleitoral. Nas mensagens do tipo “se você ama seu pai, sua mãe, seu irmão...compartilhe”, a quem se espera provar a ideia ou o afeto? O universo idílico revela a dificuldade de se lidar com a adversidade, de conviver com a diferença, de efetivamente interagir a partir de um olhar.
O que há da minha voz na voz deste outro? E o que há do outro na minha voz? Sim, porque na escrita também há a inscrição de uma voz. E como lidar (ou não) com os afetos?: se estou com medo, basta tuitar, se estou com insônia entro no facebook. Para a edição do DSM-V (Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais-Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), proposta para 2013, discute-se a inclusão de “adicção à internet”. E aí, mais um rótulo: “se você é adicto à internet compartilhe!”. Por mais que se tente ocultar, entre palavras, imagens e rótulos, a questão da subjetividade e dos relacionamentos, tão contemporânea, continuarão a se inscrever no sofrimento que eles visam ocultar.

sábado, 11 de agosto de 2012

A peste da Psicanálise


Christian Dunker
Antigamente se dizia, cinicamente, que a inteligência era aquilo que os testes mediam; hoje podemos pensar que a depressão é aquilo que os antidepressivos curam

Corre na França acalorada controvérsia sobre o atendimento psicanalítico de crianças autistas. Desde um estudo de 2003, financiado pela Caixa Nacional de Seguro de Saúde daquele país, surgem tentativas recorrentes de desqualificar o uso da psicanálise no tratamento dos “transtornos diagnosticados pela primeira vez na infância ou na adolescência”, bem como a antiga tradição de estudos psicopatológicos, embasados na observação clínica e no acompanhamento longitudinal de casos. A contenda se desenvolve de forma mais aguda e devastadora para os maiores interessados: as crianças. A situação chegou ao extremo com a divulgação de um vídeo, editado de maneira grosseira, expondo declarações sem sentido e equívocas de certos psicanalistas. Uma associação de pais requereu que o ministério da saúde francês suspendesse a recomendação do tratamento de crianças autistas pelo método psicanalítico. Tradicionais centros de tratamento de crianças como Bonneuil foram ameaçados de intervenção psiquiátrica e coagidos a empregar formas “administrativamente mais viáveis” de tratamento das dificuldades graves da infância. Bons argumentos acerca desse sequestro medicalizante do sofrimento na infância podem ser encontrados na compilação organizada por Alfredo Jerusalinsky e Silvia Fendrik em O livro negro da psicopatologia contemporânea (Via Lettera, 2011).

Desde o DSM-III verifica-se um expurgo de oposições diagnósticas oriundas da psicanálise, tais como a distinção entre neurose e psicose, bem como a substituição dos antigos quadros clínicos, que definia sintomas em sua lógica de produção, por categorias descritivas e arranjos arbitrários de signos. Enquanto temos uma espantosa proliferação de novos transtornos para os adultos – cogita-se incluir a tensão prémenstrual (TPM) como a mais nova forma de doença mental – no campo da clínica com crianças há um processo inverso de redução e expansão injustificada dos critérios diagnósticos para o autismo.

Por que será que a diagnóstica das doenças mentais dos adultos se pulveriza na medida inversa em que a diagnóstica das crianças se concentra inflacionando o autismo? Que epidemia teria feito as crianças sofrerem de modo cada vez mais igual e os adultos de modo cada vez mais diferente? Por que os sofrimentos se “atualizam” de forma tão afinada com as gerações de medicamentos? Agregados de forma cumulativo, tal como Combo Junky Food, os novos quadros clínicos são recorrentemente definidos de modo reverso. Antigamente se dizia, cinicamente, que a inteligência é aquilo que os testes de inteligência mediam. Hoje ouvimos dizer, analogamente, que a depressão é aquilo que os antidepressivos curam. E que o autismo é aquilo que os neurolépticos aquietam. Efeito da compressão diagnóstica, que exclui a existência de quadros de psicose entre crianças, este limite interesseiro da classificação e da prerrogativa de tratamento prolifera a retórica do pósdiagnóstico. Ou seja, inúmeros casos de cura de autismo – conforme depoimentos de pais de crianças tratadas pela psicanálise – são neutralizados pelo argumento “fatalista” de que se houve melhora é porque o diagnóstico inicial estava errado (não eram verdadeiros autistas). A sobrecarga de diagnósticos de déficit de atenção e hiperatividade (que aparentemente herdou a popularidade das antigas dislexias) e de transtornos do espectro autista parece estar a serviço da supermedicalização. Mas com a nova lei brasileira do ato médico só haverá um tipo de diagnóstico e de indicação de tratamento. E não será o psicanalítico. Enquanto isso as crianças sofrerão caladas, sonolentas e pacificadas; seus pais terão certeza absoluta de que estão fazendo o melhor para seus filhos, os médicos seguirão seus protocolos e a saúde das populações terá sido resguardada contra a peste da psicanálise.